Povo que levas no rio

Sou um poeta do povo
Que ao povo foi parar
Povo que lavas no rio
Leva-me a mim a lavar.

Porque um poeta do povo
C’o povo vai versejar
Queremos um mundo novo
Que não dê trabalho a lavar.

Passar uma vida inteira
Sem máquina de lavar
É cá uma trabalheira
Andar no rio a lavar.

E quem no rio lava
Ao mar pode ir parar
Sua sepultura cava
Nas ondas do alto mar.

Ao menos tivesse um tanque
Mas que não fosse militar
E com a sua força arranque
P’ra uma batalha travar

Contra toda a sujidade
Pôr a roupa a branquear
É uma luta sem idade
Que o povo leva a cantar.

E se a cantar a vida leva
A cantar a vida lava
Não há povo ao cimo da terra
Que mais sepulturas cava.

Triste destino o nosso
No rio e no mar sem ser marujo
Se o povo morre a lavar
Mais vale então morrer sujo.

Porque este povo teimando
Que há-de lavar no rio
Desgasta-se vai-se findando
Com a vida por um fio

E se por um fio vive
Com um fio d’água lava
Esta vida num buraco
Que a gente a lavar cava.

Mais vale esquecer a brancura
De viver sempre nas margens
Há quem queira uma ditadura
Que o afaste das lavagens

E assim se abafa o desejo
do corpo tremendo de cio
vamos antes esfregar a roupa
nas margens do nosso rio.

A freira farinheira

Não é por similitude sonora
Que a nossa irmã freira
Resguardada no seu hábito
Se confunde com a farinheira

É que esta nossa pobre irmã
À cozinha devotada com amor
Entende que entre os tachos
Se glorifica também o Senhor.

Só que o mundo dos enchidos
Foi pelo Demo inventado
E ninguém a convence a deitar
Um chouriço no cozinhado.

Porque é fálica a sua forma
Suscita libidinosas insinuações
Que se a freira agarrasse no petisco
Teria escandalosas recordações.

Mas está disposta a recuar
Na rigorosa arte culineira
E em vez do erecto chouriço
Usa ‘ma engelhada farinheira.

Junta-se a santa congregação
Chegam convivas especiais
Havendo cozido à portuguesa
Nunca vêm bocas a mais.

Veio o bispo anafado
E uns auxiliares amorosos
Mais os padres habituais
Que só pecam por serem gulosos.

Quando vieram as travessas
Calaram-se os padres tementes
Porque a esta malta religiosa
Deus deu-lhes as nozes… e os dentes.

Pareciam esfomeados
Fizeram grande escarcéu
Atacaram doidos o cozido
Não fosse acabar o pitéu.

Mas o que é bom sempre acaba
Está escrito e é verdade
Mergulharam na carniça
Esqueceram a sobriedade.

Até que um religioso
Descobre a dita farinheira
E como Colombo excitado
- Eis aqui a índia inteira!

Ergue-se um coro de espanto
Gritam todos os irmões
Se anda aí a farinheira
Onde estão os colhões?

Em vão rapam a travessa
Em busca dos cujos ditos
Porém nada encontram
Queixam-se os padres aos gritos.

Porém se olhassem para a freira
E deixassem de ser lamechas
Logo as bolas descobriam
A chumaçar-lhe as bochechas.