As palavras são como as cerejas

Porque as palavras
além de parvas
também são larvas
e voam como as cerejas
deviam chamar-se palarvas
donde sairão as varejas
que irão no ar a zombar
e outras vezes a zumbir
umas vezes a chorar
e outras a sorrir
à volta do meu pescoço.

Ah, as palavras
são como as cerejas
com pele, carne e caroço
mais a sua forma
bem apalavrada
de adoçar também o meu almoço.

Não há poesia

Esta quadra enforcada
Foi à força retirada
Da minha imaginação.
Pois estava mais a minha amada
Em noite já bem jantada
E sem alma de versejão.

Mas, senhor, queria ela poesia
Que lhe compensasse a agrura do dia
E tanta agitação.
Porém, isso ele não queria
Pois para ele a poesia
Já lhe causava comichão.

E respondeu-lhe mal inspirado
Para ver se a calava:
Que se fosse versejar
Ficava o caldo entornado
E nunca mais com ela jantava.

«E nem que para aí praguejes
E ameaces que te matas
A minha boca não se abrirá
As quadras são umas chatas.
E as palavras são sarnentas
Apegam-se-nos às ventas
Não se lhe pode fugir.»

Assim, em vez da poesia
Veio a noite e foi-se o dia
E foram mas foi dormir.

terra absoluta sob céu imóvel

A terra absoluta é que segura
o céu absoluto
as nuvens, imóvel.

Uma terra escanhoada
de pilares invisíveis
e que as cigarras procuram
na ilusão duma sombra.

Uma terra de terra
esboroada pelo tempo
e pelos homens
que caminham
sem direcção.

Os três pastorinhos e a senhora


Jacinta, Francisco e Lúcia
Eram três lindos meninos
Que já guiavam ovelhas
'Inda eram pequeninos.

Eis então nossa senhora
Que à irmã Lúcia foi segredar
Tinha uma coisa importante
Para a ela lhe contar.

«Isto é um grande segredo
Isto é um grande mistério
Mas prepara-te que vais enfrentar
Gente que não te levará a sério.»

A mana Lúcia fez-se forte
E muito sagaz e proactiva
Respondeu-lhe de imediato
Com uma voz muito viva:

«Eu não tenho problemas
Sou uma menina mui forte
Que quando perde o comboio
Faz deter outro transporte.»

E p’rá senhora comprovar
As palavras naquele momento
Ergueu a mão pequenita
E deteve o próprio vento

A senhora ficou espantada
Perante aquele poder
Que uma rapariguita franzina
Tinha p’ra dar e vender.

Ficou até invejosa
Com aquela demonstração
Mas ficava-lhe muito mal
Ceder a essa paixão.

E logo disfarçou
O seu ar embaraçado
Dirigiu-se então aos petizes
Que já a olhavam de lado.

«Mas oh que lindas criancinhas
Eu fui aqui encontrar
Quero-vos já de joelhos
Prontinhas p’ra me escutar.»
«Eu tenho três segredos
Que são todos de arrepiar
Digam lá oh criancinhas
Por onde hei-de eu começar.»

«P’ra dar a minha opinião
Eu não cobrarei dinheiro
Não se começa p’lo último
Nem se acaba p’lo primeiro.»

«Mas que sábia resposta
E que rara dedução
Diz-me lá o teu nome
P’ra eu te dar a pontuação.»

«A pergunta era fácil
Bastava pouca astúcia
Mas fique a senhora a saber
Que o meu nome é Lúcia, apenas Lúcia.»

«Ai, que nome tão bonito
E fácil de fixar
E como se chamam os outros
P’ra eu os poder abordar.»

«Este meu aqui é o Francisco
Um pastor orgulhoso
Não lhe peças p’ra falar
Porque ele é um pouco fanhoso.»

«E esta minha é a Francisca
Uma pastora valente
Tira o leite aos animais
P’ra nos dar a beber à gente.»

E eu sou a tal Lúcia
A melhor de entre os três
Sei ler, escrever e contar
Do nove ao trinta e três.»

«E a minha mãe dizia-me assim
Tu só me dás alegria
Continua que vais bem p'ra
Chefiar a junta de freguesia.»

«E elogia-me assim
Conto com a tua astúcia
Vias ficar na história lusitana
Como a maior irmã Lúcia.»

«Pastorinhos, mas que bem!
Nada de drogados que é escória
Vou já tratar dos milagres
P’ra ficarem na nossa história.»

A Lúcia era a mais espertinha
E não perdeu p’la demora
Curiosa quis logo saber
Quem era afinal a senhora

A pergunta da miúda
Deixou-a surpreendida
Como não trazia legendas
Respondeu à atrevida:

«Tens três oportunidades
P’ra acertar na resposta
Mas eu vou-te dar uma dica
Porque hoje estou bem disposta.»

«Sou pomba mas não tenho asas
Falo português não sou de Portugal
Sou mãe e não fui casada
Diz-me lá quem sou eu afinal.»

Com aquelas informações
Pedia-se uma resposta certeira
Se é mãe sem ser casada
Só pode ser mãe solteira.

A senhora não achou piada
Ao que acabaram de dizer
E p’ra não ouvir mais asneiras
Tratou logo de esclarecer.

«Eu sou a senhora de Fátima
Inda irei dar que falar
Vim cá baixo numa missão
Pôr o país inteiro a rezar.»

«Mas se alguém contudo falhar
E não fôr o país inteiro
Vou pelo menos converter
Os comunas do Barreiro.»

«Aí está uma coisa boa!»
Exclamou um pastorinho
«Mostrar aos comunistas
Qual é o verdadeiro caminho!»

«Mas hei-de fazer mais coisas
Que agora não vou divulgar
Vou esperar p’lo momento certo
Quando a TVI for para o ar.»

«E agora oh pastorinhos
Antes que alguém nos veja
Ide dizer ao senhor padre
Que chegou a chefa da Igreja!»

«A chefa? Ouvimos bem?
Perguntaram atordoados
Se a senhora é o chefe
Então nós somos os soldados.»

A senhora riu-se dos pequenos
Antevendo futuras batalhas
Claro que são os meus soldados
Não me esquecerei das medalhas.

E as três crianças promovidas
Fizeram logo a continência
Puseram-se direitas e em sentido
Mostrando muita reverência.

«Agora ide embora que se faz tarde
Está na hora de jantar
Regressem amanhã bem cedo
Vamos ter muito que falar.»

«Ide, pois, ide, ide
E voltai amanhã voltai
Que aqui estarei aqui
Sobre este pobre bonsai»

E lá foram com as ovelhinhas
A cantar muito felizes
Porque esta nossa senhora
Vai tornar ricos os petizes.

Porque ela é poderosa
Consegue tudo a bem ou a mal
E se D. Lúcia quisesse
Seria até rainha de Portugal.

E então com muita fé
Valentia e heroísmo
Irão dar uma grande lição
Ao satânico comunismo.